Fragmentos de Sol nas bancas de revistas
LuisTuriba, de Pirenópolis onde se realiza a 3ª Flipiri
Às vezes, o jornal/revista está chato, velhaco e casmurro de notícias, mas rico em comentários e pensamentos culturais, literários e poéticos. Foi o caso de O Globo deste último sábado (7/05). E não por que foi dia de "Prosa & Verso", que tinha riquíssima matéria sobre "Jornalismo narrativo e repórteres sem fronteiras" e uma resenha sobre o livro-antologia do poeta paulistano Régis Bonvicino, editado pela Imprensa Oficial com 564 páginas, um calhamaço.
Muito bacana o artigo da professora Marília Librandi-Rocha sobre "A terceira margem" da linguagem e suas pequenas jangadas soltas à deriva no mar bravo da produção. Deliciei-me principalmente com uma declaração atribuída a Alcir Pécora: "quando se trata de literatura, os mortos estão todos em atuação e suas obras controlam os leitores de hoje melhor do que os vivos". Primor!
Na capa do "Segundo", o cineasta Julinho Bressane clamava: "Não me enterrem vivo". E por falar em enterrar vivo, outro cineasta, Cacá Diegues, acertou a mão ao dar vida à obra de Jorge Amado na página de "Opinião". Ele escreveu: "o trabalho literário é antes de tudo um trabalho de linguagem. A linguagem, porém, não é essência nem ornamento, mas moeda de troca entre o autor e seu leitor, entre o autor e o mundo."
Lá pelas tintas nem tão tontas assim, Cacá relembra que os concretistas (na verdade, o poeta barroco-concreto Haroldo de Campos, no final do século passado), hasteou o romance "A morte e a morte de Quincas Berro d´Água" ao topo da literatura brasileira.
"Recebi a notícia como uma vitória pessoal de seus leitores", escreveu o cineasta. Ao fechar seu artigo, ele vai de encontro ao autor de "Galáxias". "Jorge Amado é o nosso clássico por excelência e assim será até que o Brasil tome jeito e siga o espírito de suas tramas. Ou o exemplo de seus personagens." Calma, Cacá: Jorge é Jorge por que respingou de luzes seus romances com a mestiça alma brasileira.
Todos esses fragmentos de citações totalmente fora de seus (con)textos, estão a serviço do poético que pode haver no jornal diário. São pequenos carimbos no passaporte de um caçador de linguagens. Assim como "O Sol nas bancas de revistas" e/ou o romance baiana-planetário, a poesia também necessita estar impregnada com o sabor, suor e sal da terceira margem criada por Guimarães Rosa.
Interessante é que todas essas coisas vem sendo conversadas na oficina "Farani Cinco Três" que o poeta Chacal está tocando na Biblioteca de Botafogo, Rio. Sou um dos participantes do labor do velho mestre da linguagem carioca. Ao conhecer tête-à-tête os fundamentos do autor de "Quampérius" e conviver com uma rapaziada que começa a escrever versos na Idade Midia, renovo também meu repertório e meu manancial de linguagens. Ou pelo menos, tento.
"O texto é apenas um dos elementos do poema." Esse fundamento Chacal traz lá das raízes, do tempo em que a Nuvem era Cigana. Performatizar o poema, sacudi-lo no vazio do oco até torná-lo um tornado verbal. Cada poema, um inutensílio. Utilizar sem medo de errar o corpo, a voz, a luz, a água, o fogo para embelezar e dar perfume às palavras. Todo cuidado com a emoção que pode tirar a poesia do poema. Assim, extermine o ego que há no seu texto, surrando-o contra a parede como recomenda Manoel de Barros.
Na oficina, Chacal tem utilizado princípios de Ezra Pound expostos no "ABC da Literatura": fanopéia (projetar o objeto na imaginação visual, que Chacal chamou oswaldianamente de "Poema Kodak"); melopéia (produzir correlações emocionais por intermédio do som e do ritmo da fala); e logopéia (produzir ambos os efeitos estimulando as associações (intelectuais ou emocionais) que permaneceram na consciência do receptor em relação às palavras ou grupos de palavras efetivamente empregados). Para Pound, "a incompetência se manifesta no uso de palavras demasiadas."
No fundo, Chacal tenta fundar (se já não fundou) um novo princípio não (tão) pensado por Pound, mas desenvolvido nos palcos, praças e lonas por onde a Poesia Marginal fincou raízes. Algo como "performalopéia", onde palavras, gestual, imagens, sons, mídias cibernéticas, lances teatrais venham se fundir às frases e rimas e aliterações para uma melhor interação do público. Algo que Octávio Paz, outro formulador do texto poético, batizou de "Os signos da rotação" em "O Arco e a Lira." Não tem escapatória, a poesia deve estar sempre viva, mesmo que esteja morta.
Incorporar ao poema o próprio corpo (e porque não todos os copos?). Esse foi e ainda é o sonho programático do aprontador de linguagens. Isso fica claro no livro "Uma história à margem", onde Chacal conta com humor e detalhes as peripécias de um poeta em busca da poesia.
Seu primeiro poema dito: "As imagens do audiovisual eram os retratos desses "caciques" (de Ramos) com o som da bateria do bloco. Aquilo começou a zabumbar na minha cabeça, já tomada pelo Alert Limão, uma mistura secreta e inflamável que deixava tudo em estado de nuvem. (...) O ambiente escurinho para a exibição era favorável. Não tive dúvida. No transe do momento, sem avisar a ninguém, falei para o Bernandro Vilhena que operava o projetor: "vou entrar. Vou entrar. Vou entrar". E entrou na roda falando "Papo de Índio".
Chacal havia assistido a uma performance de Allen Ginsberg, em Londres, que o marcou para sempre. "Como não sabia muito inglês, prestei mais atenção na gloriosa performance. Pensei: se um dia eu falasse poesia ao vivo, teria que ser com aquela dicção." É essa dicção que ele tenta passar em suas oficinas.
É tudo isso que continua brilhando em nossas bancas de revistas. Fragmentos, fragmentos, fragmentos, ainda do tempo do Modernismo. De palavras, de sons, de pensamentos, de ações que erguem uma linguagem cujos signos cibernéticos estão em altas rotações. E de repente (não mais que de repente) nascem desses meninos e meninas recém-saídos da adolescência versos que assombram como os da poeta que deixou a sílaba cair como um pesado dicionário. Ou outra que acabou despalavrando-se do poema.
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