A morte do poeta
É abrupta, feliz como todo travesseiro
A alvura do algodão dos panos dos cueiros
também o são
a morte do poeta não é a morte da poesia
o sonho é a noite
nem toda noite é fria
repentinamente estaremos todos na vertical
nossos espíritos invisíveis ao bem e ao mal
óh Dora
eu fui o mais feliz do teu lado animal
amargo é o dente e tristes são todos os poentes
a terra me amará porque também sou a tua terra
nada do que foi nosso corpo hoje em dia nada nos resta
a morte é covarde e a vida é pacífica a tua covardia
dia e noite e há noite dentro do mais esplendoroso dia
óh frágil carne viva
óh doce carne invisível da poesia
o oposto da vida é a morte
o lado do outro lado também é vida
é aquele ser encarnado descolorido
nenhum morto necessita mais dos sete sentidos
a terra amará o que é terra
nada do corpo nos resta
além da face triste ao poente
a carne é sangue, todo sangue é quente
a morte é tua covardia
seremos imortais, oh Dora
a morte é o mais belo deslumbrar ao dia
tanto sol
tanta poesia
oh frágil carne
oh tênues corpos
são as esperanças, são as doces lembranças
tu és a minha mais doce amnésia
um dia a mais é sempre teu fôlego a mais
o amor não morreremos jamais
a beleza da carne é a carne perecível
nada do que é eterno cria narizes
o poeta é um belo catavento
o aroma da chuva
o movimento é o vento
até filhos serão concedidos aos nossos corpos mortais
ninguém me recordará eu não te esquecerei jamais
os filhos serão filhos e simples mortais a mais
há memória, haverá um globo de cristal
uma redoma mineral de água e
haverá sal
haverá a palavra saudade
as rochas são pedras e não são corpos porque os corpos são complexos
múltiplos serão e terão sido todos os nossos sexos
as tuas angústias minerais
a dureza das lágrimas que foram pedras e hoje são todas as tuas liquefeitas
clarezas e há luz, oh Dora
ninguém ri porque ninguém chora
o dia é o final da noite e é o esplendor da tua aurora
humana
são mãos
são pés
aquilo que eu sou, tu não és
os corpos liquefeitos são corpos transparentes
todas as bocas supõem os dentes
pois é sempre o velho tempo o que nos trái
eu quero um beijo, um mísero beijo a mais
havia um relógio na penteadeira
o tempo era eterno mas a hora era a derradeira
oh cruel carne viva
porque tudo é amor e tudo dói
aquele beijo nunca aconteceu em Niterói
a pele contém todos os sentidos
os gritos, o sorvete, a foto daquele palacete
tudo vibra em cor, são cores vivas ressoantes
nossa vida passou rápido, rápidos sempre serão os instantes
pairantes
sonantes
memórias vivas também são delirantes
oh cruel é a carne viva
a nossa delgada tênue diáfana pele pecante
o verbo eu sou é a palavra
a carne sempre será uma carne e ossos e o olhar é altissonante
pois tudo é som
eu nunca entendi teu diapasão e o arroz queimava na panela
oh Dora, a entropia do eu e do ela
a morte é mera é crua é a tua passagem
a nossa eterna viagem do ego pois
tudo se transmuta
mas,
há um ponto frágil e é uma clivagem transcendente
morda-me com alguns dos teus32 dentes
é a o a o a
a memória dos teus beijos
que serão sempre imortais, o sabor dos vinhos
a foto na gaveta da mesa e os cálcios marinhos
pois sempre seremos marés imorais
da curva dos lábios às pontas dos pés
algo encarnado que transitório e tudo é bela ilusão
os amores nunca serão eternos além da memória
oh Dora
haverá sempre uma pequena história
de amor nas flores sobre os túmulos
de nossa rápida humana memória.
Pois são palavras tudo o que resta e um ponto além do final
São as meras palavras dos nossos poetas
E o vento frio porquê sempre é noite
E toda solidão é cruel mesmo que seja ilusão
Corpos extintos levitam na poesia
do coração.
PS – somos apenas humanos, ou não?
José Roberto da silva , Bsb – 27/01/2010 – 03h39
**********
Nenhum comentário:
Postar um comentário