quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A MORTE DO POETA

A morte do poeta

(para Ariosto, post mortem)
José Roberto da Sil

É abrupta, feliz como todo travesseiro

A alvura do algodão dos panos dos cueiros

também o são

 

a morte do poeta não é a morte da poesia

o sonho é a noite

nem toda noite é fria

 

repentinamente estaremos todos na vertical

nossos espíritos invisíveis ao bem e ao mal

óh Dora

eu fui o mais feliz do teu lado animal

 

amargo é o dente e tristes são todos os poentes

 

a terra me amará porque também sou a tua terra

nada do que foi nosso corpo hoje em dia nada nos resta

 

a morte é covarde e a vida é pacífica a tua covardia

dia e noite e há noite dentro do mais esplendoroso dia

 

óh frágil carne viva

óh doce carne invisível da poesia

 

 o oposto da vida é a morte

o lado do outro lado também é vida

é aquele ser encarnado descolorido

nenhum morto necessita mais dos sete sentidos

 

a terra amará o que é terra

nada do corpo nos resta

além da face triste ao poente

a carne é sangue, todo sangue é quente

 

a morte é tua covardia

seremos imortais, oh Dora

a morte é o mais belo deslumbrar ao dia

 

tanto sol

tanta poesia

 

oh frágil carne

oh tênues corpos

 

são as esperanças, são as doces lembranças

tu és a minha mais doce amnésia

 

um dia a mais é sempre teu fôlego a mais

o amor não morreremos jamais

 

a beleza da carne é a carne perecível

nada do que é eterno cria narizes

o poeta é um belo catavento

o aroma da chuva

o movimento é o vento

 

até filhos serão concedidos aos nossos corpos mortais

ninguém me recordará eu não te esquecerei jamais

os filhos serão filhos e simples mortais a mais

há memória, haverá um globo de cristal

uma redoma mineral de água e

haverá sal

haverá a palavra saudade

 

as rochas são pedras e não são corpos porque os corpos são complexos

múltiplos serão e terão sido todos os nossos sexos

as tuas angústias minerais

a dureza das lágrimas que foram pedras e hoje são todas as tuas liquefeitas

clarezas e há luz, oh Dora

ninguém ri porque ninguém chora

o dia é o final da noite e é o esplendor da tua aurora

humana

são mãos

são pés

aquilo que eu sou, tu não és

 

os corpos liquefeitos são corpos transparentes

todas as bocas supõem os dentes

 

pois é sempre o velho tempo o que nos trái

eu quero um beijo, um mísero beijo a mais

 

havia um relógio na penteadeira

o tempo era eterno mas a hora era a derradeira

 

oh cruel carne viva

porque tudo é amor e tudo dói

aquele beijo nunca aconteceu em Niterói

 

a pele contém todos os sentidos

os gritos, o sorvete, a foto daquele palacete

 

tudo vibra em cor, são cores vivas ressoantes

nossa vida passou rápido, rápidos sempre serão os instantes

pairantes

sonantes

memórias vivas também são delirantes

 

oh cruel é a carne viva

a nossa delgada tênue diáfana pele pecante

o verbo eu sou é a palavra

a carne sempre será uma carne e ossos e o olhar é altissonante

pois tudo é som

eu nunca entendi teu diapasão e o arroz queimava na panela

oh Dora, a entropia do eu e do ela

 

a morte é mera é crua é a tua passagem

a nossa eterna viagem do ego pois

tudo se transmuta

 

mas,

há um ponto frágil e é uma clivagem transcendente

morda-me com alguns dos teus32 dentes

 

é a o a o a

a memória dos teus beijos

que serão sempre imortais, o sabor dos vinhos

a foto na gaveta da mesa e os cálcios marinhos

pois sempre seremos marés imorais

da curva dos lábios às pontas dos pés

algo encarnado que transitório e tudo é bela ilusão

os amores nunca serão eternos além da memória

oh Dora

haverá sempre uma pequena história

de amor nas flores sobre os túmulos

de nossa rápida humana memória.

 

Pois são palavras tudo o que resta e um ponto além do final

São as meras palavras dos nossos poetas

E o vento frio porquê sempre é noite

E toda solidão é cruel mesmo que seja ilusão

Corpos extintos levitam na poesia

do coração.

 

PS – somos apenas humanos, ou não? 

 

 

José Roberto da silva , Bsb – 27/01/2010 – 03h39

 

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