sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

UMA ROSA PARA ZILDA ARNS - Por Paulo Timm


Especial para CARTAPOLIS - www.cartapolis.com.br - 14 de janeiro

Paulo Timm

Para os gregos, a conquista da imortalidade não era uma graça divina. Exigia-se do candidato à imortalidade que se destacasse pelo exercício da virtude , na qual a coragem era um ingrediente decisivo, e que a sublinhasse ao longo da vida pela pelo seguinte lema: "Proferir palavras e fazer ações". Pela palavra, cuidadosamente cultivada por um rígida formação – a "Paidéia"nas escolas e academias-, os jovens  aprendiam , oratória, poesia e filosofia, e  conquistavam  o dom da argumentação , indispensável à formação de opinião  (doxa) própria e exercício da cidadania. Pelas ações, demonstravam seu culto à cidade (polis) e granjeavam a admiração e respeito de seus contemporâneos. Assim, pela conjugação da palavra e ação em gesto , nasciam os heróis gregos e eram imortalizados na memória de seus descendentes. Essa essência do helenismo forjou o mundo ocidental ao se fundir com a mensagem de amor trazida pela boa nova advinda com o cristianismo e ainda nos comove, embora, pelo caráter universal e fraterno de sua proposta tenha distribuído o direito à imortalidade da alma a todos os humanos. Mas não os fez, todos, heróis. Resguardou o galardão para os que se distinguem em vida pela prática – e não apenas retórica – da virtude.

Zilda Arns, médica pediatra, fundadora da Pastoral da Criança no Brasil, mortalmente atingida no trágico terremoto que devastou o Haiti no entardecer do último dia 12, é uma heroína. Ela não só salvou, aqui,  cerca de 2 milhões de crianças. Ela mudou a maneira de tratarmos a questão da desnutrição infantil no país e criou as condições para que uma abordagem em rede da sociedade civil, independentemente do salvacionismo estatal, se distribuísse por vários países do mundo.

Zilda Arns nasceu no dia 25 de agosto de 1934 em Forquilhinha, Estado de Santa Catarina, filha de Gabriel Arns e Helena Steiner Arns, ambos de ascendência alemã, muito comum nesta região do extremo sul do país. Irmã de Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal emérito de São Paulo e um dos ícones da redemocratização do país, tem mais quatro irmãs e é mãe de cinco filhos: Rubens, (Veterinário), Nelson (Médico), Heloísa (Psicóloga), Rogério e Silvia (Administrador de Empresas) . Em 1959 termina o curso de Medicina em Curitiba e inicia sua vida profissional , como Pediatra, no Hospital de Crianças Cezar Pernetta, naquela cidade. Aí amplia sua formação para Educação Física e maior especialização em Pediatria. Em 1983 funda, com o apoio de religiosos, sensibilizados com o apelo da UNESCO para que a Igreja se envolvesse mais na atenção às crianças vítimas de alta mortalidade infantil , a Pastoral da Criança da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, hoje estendida a mais de 30 países da América Latina, Africa e Asia. Sua atividade nesta Pastoral é incontável obrigando-a a deslocamentos permanentes por todos os recantos do país e do mundo, sempre na tentativa de divulgar idéias e semear ações. Com isso alcançou o reconhecimento do país recebendo inúmeras menções especiais, títulos de cidadã honorária e distinções que a credenciaram a ser, por três vezes, indicada para o Prêmio Nobel da Paz. Junto com ela, a Pastoral da Criança, que já atua em quase 4.000 municípios brasileiros, graças ao apoio financeiro de Governos da União – através do Ministério da Saúde - , dos Estados e Municípios, da UNESCO, através do Programa Criança Esperança da Rede Globo, também já recebeu diversos prêmios de reconhecimento. Mais recentemente, fundou, em 2004,  a Pastoral da Pessoa Idosa, na expectativa de reeditar com os mais vividos, o mesmo êxito que teve com o tratamento das crianças.

O primeiro trabalho da Pastoral da Criança ocorreu no município de Florestópolis, no Paraná, onde o índice de mortalidade chegava a 127 mortes a cada mil crianças. Após um ano de atividade, este índice recuou  para 28 mortes a cada mil, com um sucesso que incentivou a Igreja e UNESCO a levarem-no para todos os demais municípios e Estados. Hoje, a Pastoral estima que 2 milhões de crianças e 80 mil gestantes  sejam acompanhados em ações básicas de saúde, nutrição, educação e cidadania sobre 32 mil comunidades carentes através de 155 mil voluntários. Em algumas localidade assistidas pela Pastoral da Criança a mortalidade infantil já caiu para 5 em cada mil crianças nascidas. E na média nacional,  esse número que já foi de 123 mortes por mil, já caiu para 54 por mil.

"Trabalhamos com alfabetização, que é um fator importante na campanha para  a paz. Ela começa com a educação das crianças, trabalhando a auto-estima das líderes, com reuniões de reflexão na comunidade. Ensinamos as líderes a ouvir as famílias e identificar sinais de violência dentro de casa", afirmou Zilda em entrevista recente . E concluiu:

"O fato de elas visitarem mais de 1 milhão de famílias todos os meses no Brasil inteiro cria um vínculo para que as famílias tenham com quem falar, discutir suas ideias e apresentar seus problemas.

A importância do trabalho de Zilda Arns não está porém nos resultados alcançados, inequívocos, mas no método com que o desenvolveu, consagrando a importância de três princípios fundamentais no trato de questões sociais: 1 – O poder da sociedade civil, através de suas organizações autônomas e independentes do Estado e da "baixa política"; 2 – A importância do engajamento dos segmentos atingidos pela ação através do trabalho voluntário, associado ao voluntariado de outras áreas todos movidos pela fé e amor ao próximo, independentemente da confissão religiosa ; 3 – O desenvolvimento do trabalho em redes de comunicação;

O Estado faleceu em sua capacidade de enfrentamento com as graves questões sociais do mundo contemporâneo, sobretudo em países com altos índices de pobreza e violência. Só através de mecanismos criados pela própria sociedade é que muitas das mazelas vividas pelas populações atingidas pela miséria poderão ser definitivamente erradicadas. Isto não significa o fim das Politicas Sociais Compensatórias do Estado de Bem Estar, que devem acompanhar todo e qualquer programa de governo socialmente responsável, mas aponta para a indispensável complementaridade entre poder público e empreendedorismo social  para um resultado mais rápido e melhor.

 

O modelo criado por Zilda Arns e pela Pastoral da Criança, envolvendo milhares de pessoas em seus projetos, trabalhando sempre a partir de coisas muito simples como o soro caseiro e a multimistura , sempre adaptada à oferta barata de alguma produto local, demonstra que os velhos e centralizados  programas de nutrição alimentados pela ganância de grandes corporações financiados pelo Estado estão ultrapassados. Temos que tomar, também,  o exemplo de Pastoral da Criança para disseminar pelo país outras intervenções como o combate ao analfabetismo absoluto e funcional, à violência, ao uso de drogas , à direção consciente no trânsito e ao sexo responsável, ao treinamento técnico-profissional, o respeito aos direitos humanos , a educação ambiental. Só a sociedade organizada e articulada a redes autônomas de comunicação será capaz de criar o mundo novo que tanto ansiamos e que Zilda Arns anunciou com suas palavras e ações.

A ela , pois, nossa homenagem e nosso  pedido para que  seu exemplo se imortalize entre nós,  inscrevendo-a no Livro dos Heróis da Pátria, simultâneo à deflagração de uma nova campanha de seu nome ao Premio Nobel da Paz.

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PAULO TIMM – Economista, Pós Graduado ESCOLATINA- U.de Chile , Ex Presidente do Conselho Regional de Economia DF, Professor da UnB


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