segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O POETA QUE DESAFIOU O MEDO


Ariosto Teixeira, o poeta que desafiou o medo

  

Paulo José Cunha

 

Raramente nos víamos. Mas quando nos encontrávamos havia uma certa cumplicidade, e nos olhos, ao nos cumprimentar, uma espécie de "nunca nos esquecemos um do outro embora nos vejamos tão pouco". Sabia quase nada da vida dele. Só que era ótimo repórter. Juntos, nos iniciamos no jornalismo político, freqüentando o Comitê de Imprensa da Câmara. Sabia que cursara Ciência Política, tal a sua paixão "científica" pela área. Que gostava de caiaques. Principalmente sabia que era elegante, discreto, firme em suas convicções. E que sabia sorrir um riso tímido, reservado. Não me recordo da última vez que o vi às gargalhadas. Eram raras. Também nunca o vi triste, mesmo quando a doença já o devastava, e os sinais eram visíveis nas faces pálidas, encovadas. Mas os olhos – ah, os olhos do meu amigo! – sempre foram vivos, alegres e argutos. E sua voz tinha uma tranqüilidade e uma segurança que atordoavam, principalmente quando recitava.  

 

Sim, porque meu amigo Ariosto Teixeira, nosso "Tchê", era poeta, poetão, poetíssimo. Desses que, ao mesmo tempo em que dominam a língua como um domador a um potro selvagem, deixam a alma leve e livre para mergulhar pelos vales ou escalar as montanhas. Os mais próximos já conhecíamos a força de seu verso. Mas no primeiro Palavra Solta (atual Poesia da Lua), recital que reúne um grupo de poetas, e do qual Ariosto era um dos participantes, no Café Martinica, em Brasília, sentimos uma coisa diferente. Uma pancada. Foi quando ele, já bem magro, mas com voz segura e firme, subiu ao pequeno palco e calou o bar ao ler o seu magnífico O niilista medroso. Principalmente uma parte que diz:

 

"Você tem medo(...)

Medo de que Deus provavelmente não exista

De não haver outra vida

Você tem medo de ficar sozinho

Sem ninguém nem final feliz

(...)Você principalmente tem medo

Do que um dia vai fazer

Quando ao anoitecer

O seu rosto tiver desaparecido do espelho do banheiro".

 

 Sem medo, e discretamente, como era de seu feitio, o poeta partiu no último dia 23/01/2009, vítima de complicações hepáticas (era transplantado).

 

Dele ficou-me uma saudade doída, funda, íntima. Uma inveja danada de sua coragem, e a lembrança que me acompanhará para sempre de seu sorriso tímido e cúmplice. Se você só tem contato com a poesia de versinhos sorridentes, tipo coca-cola, prepare-se para tomar o seu primeiro porre de absinto. Leia em voz alta, na íntegra, o já citado O niilista medroso (www.blogdoturiba.blogspot.com). E conheça um poema-petardo inesquecível. 

 

Um abração, Tchê! A gente se vê uma hora dessas.   

 

 

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Turiba:


Estive hoje na Dra Zuleica lá no Hospital Sta Helena, com a intenção
de visitar o Ariosto e descobri que o amigo de Bagé partiu para a querências do além.


Fiquei triste, saiu de mansinho o véio, com a discrição que lhe era peculiar.


Abraço


Nanche