sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

VIVER EM TORRES, RIO GRANDE DO SUL... - Paulo Timm

 Especial para CARTA POLIS - www.cartapolis.com.br - 22 janeiro

        PAULO TIM 

                                               "É porque fui louco que hoje sou sábio".        Goethe

                                                   "A vida de um homem era a sequência de acasos. Agora, a civilização  afastou o acaso, não mais o imprevisto".Sthendal, em "O Vermelho e o Negro"

Há dez anos "aposentei-me" de Brasília. Na verdade havia chegado no limite de várias dimensões da minha vida e senti que era hora de outra "virada". Foi-se um casamento de 27 anos, que me emprestou  uma filha incompreendida  e me deu outra, rebelde; foi-se um até mais longo projeto político, servo de uma verdadeira obsessão, deixando-me, entretanto, uma vasta experiência na vida pública, na qual destaco a convivência com Leonel Brizola, desde um dia gelado do inverno parisiense de 1978, quando lá ele aportou, expulso do Uruguai, até sua morte em 2004 ; foi-se minha bela casa na "República do Lago Norte", que vi praticamente nascer entre ruas lamacentas e uns poucos queridos vizinhos, que lá ainda estão fiéis à geografia peninsular, como Armando Schneider e José Roberto; foi-se a minha convivência com o Paulo Sotero, selada durante nossas "maratonas" suadas na pista central ; "foram-se", simultaneamente, para meu espanto e pranto, os amigos fraternos Miltão Gontijo e Walmir Rezende, os quais me iniciaram nos mistérios de Minas Gerais em encontros diários para o cafezinho,  ritualmente servido na cozinha; e deixei para trás as madrugadas poéticas com o irmão mais velho, outro sábio mineiro de Ouro Fino, recentemente falecido, Newton Rossi. Entrava o mês de dezembro de 1998, chuvas abundantes limpando o terreno para uma saída de fininho;  lá me fui, entre versos, pois cheguei em Brasília muito prosa e saio poeta , vim gaúcho e me fui meio mineiro:

INCRÍVEL...!

Exilo-me de mim mesmo

Vontade de evaporar-me .

Ir saindo devagarinho,

Mansidão morna,

No meio da cena petrificada

Com o sentimento de espanto estampado.

Saio enquanto é tempo.

 

Nem acredito.

Nada me pedem.

Apenas constatam o refúgio do trânsfuga.

O que não suportou o  serve-serve ,

Nem a pressão dos flanelinhas e seu coro de pedintes pelas ruas

Todos  maltratados

Contemplados com  a generosidade pública dos Governos,

Na expectativa de  se legitimarem

Num tempo que se extingue.

 

É incrível que  o Brasil  ainda exista...!

Nada me exigem.

Simplesmente pego as minhas coisas  e me vou,

Graças ao  sagrado direito de ir-e-vir dos  mais que.chegam.

Apenas me imaginam meio biruta."-Ir para Goiás?"

Seria o  susto de um malbaratado acidente?

Eu ,vítima  ocasional ,como outros milhares,

Da violência desmedida da velocidade vazia.

Num tempo que  se foi.

 

É incrível que alguém aguente!

Tampouco nada me agradecem

Já não digo pelo que tenha feito,

Mas pelo que não fiz ,

Pois poderia ter jogado  bombas

Poderia ter explodido  mil vezes  as fantasmagorias  do meu tempo:

Shoppings   luminosos,  as longas filas de blindados, passarelas...

Poderia ter tomado à força o oráculo  deste destino imutável  em nome do nome.

Mas não tive tempo. Ou coragem...

 

E nem me agradecem...

É incrível..!

*

Vou morar em Olhos D´ Água, um reduto mágico que sobreviveu ,à modernização, no município de Alexânia , a justos 100 km de Brasília e que foi cantado em prosa por Carlos Drummond de Andrade pela sua "Feira do Troca". Lugar imorredouro. Passal do tempo, que ali não passa. Puro Goiás, com muita poeira vermelha na seca e torrentes d´água lamacenta no "inverno".

No começo, os desafios da adaptação à vida rural, mas a compensação pela proximidade do silêncio cortado de madrugada por revoadas de pássaros exuberantes, pica-paus bicando troncos de árvore, tucanos voando baixo, uma passarada ruidosa e sem fim por entre mangueiras imensas que me sombreiam a varanda imensa voltada para o nascente, junto à qual instalo meu quarto. Eu, sozinho, numa casa imensa, que foi morada da maior tecelã da cidade, Fatinha, cujo marido, Betão – outro mineiro...! – logo se fez meu amigo. Todas as manhãs, durante os dez anos que ali morei, ele subiu de sua casa, mais abaixo, para  me acompanhar no chimarrão amigo.Quantas horas não teremos conversado nesse tempo todo? E ele, pacientemente, me escutando... Diz que se doutorou de tanto me ouvir ...Mas tinha que me entrosar com aquela gente de olhar desconfiado e  fala tosca. Lá tinha tido, outrora,  uma velha amiga, Sinclei Fazzolino, professora aplicada que tentou implantar na década de 80 seus ensinamentos de paulista educada nos Estados Unidos na pequena escola pública municipal. Fez época. Revolucionou o local. E mudou a cabeça de muitos meninos e meninas com suas técnicas que misturavam arte, cidadania e boa educação. Mas não resistiu às pressões de uma comunidade rural ameaçada e cedo entregou sua alma a Deus , deixando na cidade sua filha, também professora, Mônica. Ela foi um ponto de apoio para minhas incursões sobre a "cidade" de pouco mais de 300 casas e que me fez conhecer de sua amiga rezadeira Camélia, que converti à poesia, para torná-la amiga eterna. Outro ponto de apoio, foi a jovem secretária que contratei – Nádia – que vim  logo a saber órfã de pai e mãe, e, por isso , acabaria como perfilhada. Me dá trabalho até hoje.., mas com ela consegui compreender melhor a alma louca da cidade triste.Em pouco tempo já era, também – como tudo é rápido na roça...! -  da família da Dona Jovina, mãe dos marceneiros Divino e Veinho, que logo me advertem para a esperteza do terceiro irmão, "Negão" , todos logo  amigos. Mas Veinho, como diz o Betão, é a "alma" inquieta de um recanto rural contaminado pela grande cidade, nos contatos das gentes que chegam de Brasília. Um cosmopolita do sertão que ganha minha simpatia e se faz outro fraterno companheiro dos papos matutinos, das tardes regadas à muita cerveja em Alexânia, das festas eventuais na mansarda : "- Hoje é dia de comemoração...!" Mas se amo a solidão por princípio, nunca fico sem amigos e impus-me levar junto ,de Brasília, meu velho amigo Raulzito – outro mineiro! -  cansado da droga de vida que lhe consumira , na cidade, a ingenuidade e a paciência. Uma pequena casa, junto da praça, 50 metros acima da minha, lhe fazia parceiro das madrugadas frias de céu coberto de estrelas. Aparecer de manhã, como o Betão? Nunca. O dia para o Raul só começava às três da tarde... E, já nas minhas primeiras semanas em Olhos d Agua, uma visita inesperada: Paulinho Wagner, velho companheiro do Partidão, atacado de um semi-paralisia facial me faz visita. E não voltou mais para Brasília...Acomodou-se na mansarda... Seis meses depois, o expulso da minha casa, numa boa. E ele se vai para Alexânia, sede do município, distante 13km, céleber por seus açougues de carne clandestina, de botecos coalhados de mesa de sinuca e de  cabarés gênero "bey-bye Brasil",   onde vive até hoje, mergulhado em leituras de teatro e filosofia gregos, luxúria e algumas poucas tentativas de virar homem sério de negócios. Que não deram certo...Nos fins de semana aparecia ainda Paulinho Tovar, com seu jeito tímido que lhe credenciou, imediatamente, ao direito de freqüentar todos os sábados e domingos os faustosos almoços na mansarda, junto com seus maravilhosos filhos Felipe e Maria Eduarda.  "AQUI TEM GENTE FELIZ", dizia um pendurucalho na porta de entrada da casa. E era verdade. Ali vivi momentos de grande paz , com meus amigos e amigas . Inventei uma Pousada. Fiz um forró. Até um Restaurante, na casa ao lado, que me fez "chef" por   alguns anos. Ao final  criei um Centro Cultural, de vida efêmera e pouco produtiva, em Alexânia. E também um site, ainda no ar, mas moribundo, mas onde imprimi e deixo ao deleite dos interessados meu longo épico , "Os Mistérios de Olhos d ´Água". Até que um dia, já cansado  , vendo o Velinho casado com Angélica, o Raul ameaçando ir pro Maranhão, onde mora , o Paulo Tovar distanciar-se , o Paulinho Wagner isolar-se, o Betão escafeder-se para sua "fazenda",  e sem ter morrido, como imaginava, fui em busca de um novo amor e o encontrei em Solange, uma vivida  jovem de tez morena e cabelos longos e negros , natural de Rondônia ,que logo me seduziu. Mas com ela, ainda estudante, já não poderia deleitar-me naquela  mansidão goiana, da qual levo dois ensinamentos simples e diretos, como tudo no grande sertão ,  antes de fazer-me, de novo em meus versos:

O primeiro, de um poema de Godoy Garcia, grande poeta :

                                              "Vento é como a alma de um rio correndo" ,

 

o outro, do também grande escritor goiano Bernardo Ellis, no seu romance "O Tronco"

                                                 "Realidade é o real, não os nossos sonhos"

 

 E me preparo para a despedida:

OLHOS D ´A GUA

                           Ao Paulo Tovar

I

 

O cerrado não tem mar

Nem o mar o seu calor

Olhos d Água em teu andar

Mais confunde o cantador

 

O cerrado não tem mar

Nem o mar o seu sabor

Olhos d Água em teu falar

Cala fundo no sonhador

 

O cerrado não tem mar

Nem o mar o seu fervor

Olhos d Água em teu orar

Traz o universo à sua flor

 

O cerrado não tem mar

Nem o mar o seu ardor

Olhos d Água no cerrado

E eu encerrado neste amor

 

II

 

O cerrado invertido mar

Tem na seca maior esplendor

Olhos d Água, cheios d ´água,

Afogados em tanta dor...

                                                                                  *

 Malas ao vento ,  de novo. Solange a tiracolo. Destino: Rio Grande do Sul

Vim, com ela, há dois anos, em busca de minhas raízes e - Pasmem!-, no embalo de um novo sonho, como se tivesse tenros vinte anos de idade... Mas não se tratava apenas de raízes. Viajava em "busca de um tempo perdido", na tentativa de recuperar o afeto de  um filho- Luciano - já casado, deixado irresponsavelmente pelo caminho  e que já me dera um neto: Caio. –"Coisas de geração", disse eu, constrangido,  à mãe dele ,no dia do seu casamento, em Caxias do Sul. E eis-me aqui, "a caminho de mim..."

Estou em Torres, litoral, fronteira entre o Rio Grande e Santa Catarina, molhada pelo Rio Mampituba. E recomendo o lugar aos "gaúchos e gauchas de todas as querências" que ainda pensam em retornar aos pagos: "UM PRAZER DE VIVER", como diz o lema da cidade. E querem saber por que? Eis meu decálogo:

                                                         PRÓ MORAR EM TORRES

1 – A cidade tem um clima excelente, amenizado pela proximidade do mar, ficando, sempre cinco graus acima da média do Estado; até o vento gelado parar aqui ele já viajou todo o Uruguai , atravessou o Chui, enregelou a fronteira, acautelou-se na região chamada DEPRESSÃO CENTRAL, cujo epicentro é Santa Maria, minha cidade, matou de frio uns velinhos em Rio Grande , Pelotas, Uruguaiana etc , esfumou-se por Porto Alegre  e se arrastou pela beira das lagoas até chegar aqui, cansado...

2 – Está a meio caminho asfaltado duas capitais - Florianópolis (260 km) e Porto Alegre (220 km) – e perto da Serra Gaúcha (Gramado:170km – pela Rota do Sol); nos interstícios deste triângulo não faltam atrativos de toda ordem: Taibezinho, Águas Termais, como a  de Gravatá e cidades históricas, como Laguna;

3 – Torres tem uma infra-estrutura urbana excepcional, herdada dos tempos em que foi um balneário da elite portoalegrense, que ainda detém na cidade seus belos imóveis; é considerada, também, a mais bela praia gaucha pela excepcionalidade do litoral pontilhado com formações rochosas que dão beleza e imponência ao lugar.

4 – A cidade tem uma vida urbana local consolidada e que funciona regularmente durante o inverno, com restaurantes, cafés, confeitarias, além da oferta de bons hospitais e , mais recentemente, de uma Universidade, a ULBRA – www.ulbra.br , com vários cursos , aos quais afluem alunos de várias cidades do Estado.

5 – Um verdadeiro boom imobiliário dá ainda uma atmosfera moderna à Torres , que, associando-se a prédios de sua parte antiga e à Igreja conferem-lhe um charme irresistível; pode-se comprar  bom apartamento ,de dois quartos, em prédios mais velhos, em torno de 150 mil reais.

6 – O comércio local não é muito atrativo, mas responde sem problemas às demandas de produtos e serviços básicos, tendo um grande Supermercado – NACIONAL – e vários outros, de menor porte distribuídos tanto em Torres –RS , como do outro lado do Rio Mampituba, Passo de Torres, já interligadas as duas cidades por uma ponte. O produto principal do cardápio local é o peixe, abundante, fresco e barato, trazido do alto mar por pescadores locais. Excepcionalmente, mas não raro, se encontram ostras nas peixarias. E o restaurante de um peruano oferece iguarias insopitáveis.

7 – O nível cultural da cidade e as atividades culturais  ainda deixam a desejar, comparativamente às capitais mencionadas e algumas cidades da serra gaúcha, mas é de se ressaltar a emergência de boa poesia no últimos anos e o papel excepcional da Rádio FM Cultural – www.culturalfm.com.br , concebida e dirigida dentro dos moldes mais exigentes sobre esse tipo de emissora, coisa rara em outras cidades pequenas. Uma série de ateliês de pintura e artesanato contribuem para dar distinção à Torres.

8 – Os serviços de telefonia celular, TV a cabo (SKY) e internet são satisfatórios, sendo de registrar o elevado número de portais existentes, dentre eles o www.torres.com.br , www.torres-rs.tvr , www.jctorres.com.br , www.telenewstorres.com , www.radiomaristela.com.br  e www.torres.rs.gov.br ;

9 – Os clubes de serviços Rotary e Lions funcionam regularmente com inúmeras atividades de suporte à cidade, que conta, também com a  APAE; uma cooperativa de produtores com uma feira de produtos orgânicos que já começa a projetar um vigoroso movimento ambiental completa o referencial associativo da cidade.

10 – Não há problemas de trânsito em Torres. Embora um pouco congestionada no verão, ainda  é possível estacionar no centro da cidade, com a vantagem de que não há controles de velocidade pelo caminho, que tanto oneram a vida de motoristas nos grandes centros.                              

                                                                                              *

Vendo Brasília cada mais longínqua, povoada de fantasmas do passado pairando sobre minhas memórias e meu  doce "Olhos d´Agua" se  cristalizando em lágrimas de amor que ficam em forma de saudade, me fixo em Torres e penso comigo: "O que me espera no futuro...? Quantas moradas mais terei? Que ilusões inventarei? Como reagirei...? A todas essas perguntas respondo que cada vila tem seu moinho, cada moinho seu moleiro, cada moleiro sua pedra de carregar...                                                              *

PAULO TIMM – Economista, Pós Graduado ESCOLATINA ,Universidade do Chile. Ex Presidente do Conselho de Economia DF, Professor da Unb.

Sites : www.cartapolis.com.br ; www.alexania.tv e www.torres-rs.tv

Email : paulotimm@hotmail.com

 


 

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito interessante sua história. Parece um pouco com minha. Também nasci em Pernambuco, me criei no Rio e estou em Brasília há 26 anos e, pasme, entrei no seu site porque procurava informações sobre Torres, já que pretendo no final do ano que vem, ao me aposentar, ir morar no RGS. Você é mesmo um poeta ao descrever os lugares e as saudades de uma forma tão bonita. abraços e tudo de bom. Vera

elis disse...

NOSSA,ADOREI TUA MANEIRA DE DESCREVER O MODO COMO ENCARA TUA VIVENCIA.LI TUAS EXPERIENCIAS E PALAVRAS PORQUE PRETENDO MORAR AI E ASSIM SABER OPINIOES DE OUTRAS PESSOAS.PROCURO PAZ,DIZEM QUE NAO IMPORTA O LUGAR QUE MORAMOS,TEMOS QUE ESTAR EM PAZ COM NOS MESMO,MAS COMO VOU SENTIR ISSO SE O LUGAR QUE EU MORO NAO ME INSPIRA PAZ?ESPERO QUE DE CERTO .MAS ADOREI TUAS PALAVRAS.BEIJOS

Gaudério Rações disse...

Moro em Niterói RJ, trago muitas lembranças de Torres onde, ainda guri, passei vária férias escolares.Rio Mampituba, que saudades. Localizei o seu blog durante busca de informações sobre Torres. Eu e minha esposa estamos procuram uma nova cidade para morarmos. Parabéns pelo blog.
Neuton Brum - neutonbrum@gmail.com